Iôga e o Ocidente

 

 

            Fonte: Mircéa Eliade, Patanjali e o Iôga, Lisboa, Relógio d’Água Editores, 2000, pp. 50-6

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                [Para facilitar a leitura e uma pronúncia correcta transcrevemos Patanjali por Patãnjali e Yoga por Iôga]

 

Examinemos mais de perto a concepção da libertação (moksha) nas doutrinas Sâmkhya e Iôga. Como para a maio­ria das escolas filosóficas indianas — à excepção, natural­mente, daquelas que são influenciadas pela devoção mística (bhakti) — a libertação é, com efeito, uma libertação da ideia do mal e da dor. Não é mais que a tomada de consciência de uma situação preexistente, mas sobre a qual reinava a igno­rância. O sofrimento extingue-se por si mesmo a partir do momento em que compreendemos que é exterior ao espírito, que diz unicamente respeito à «personalidade» humana (as­mita). Imaginemos, com efeito, a vida de um «libertado». Es­te continuará a agir, porque as potencialidades das existências anteriores, bem como as da sua própria existência anterior ao «despertar», exigem ser actualizadas e consumadas de acor­do com a lei kármica (ver mais adiante. p. 61 e seg.). Mas es­ta actividade já não é a sua; é objectiva, mecânica, desinte­ressada, em suma, não existe em função do seu «fruto». Quando o «libertado» actua, não tem a consciência de um «eu que actua», mas de que «se actua»; noutros termos, não envolve o Si num processo psicofísico. A partir do momento em que a força da ignorância deixa de actuar, deixam de ser criados novos núcleos kármicos. Quando todos os chamados «potenciais» são destruídos, a libertação é absoluta. Poder-se-ia mesmo dizer que o libertado não tem a «experiência» da libertação. Depois do «despertar», actua com indiferença e quando a última molécula psíquica se desprende de si, rea­liza um modo de ser desconhecido para os mortais, já que é absoluto: uma espécie de nirvana budista.

 

A «liberdade» que o hindu adquire através do conhecimento metafísico ou do Iôga é, no entanto, real, concreta. Não é verdade que a Índia só tenha procurado negativamen­te a libertação: pois ela quer realizar, positivamente, a liber­dade. Com efeito, «o libertado em vida» pode estender tão longe quanto desejar a sua esfera de acção. Nada tem a temer, porque os seus actos já não têm consequências para si, nem portanto, limites. Como já nada o pode subjugar, o «liberta­do» pode aventurar-se em qualquer campo de actividade; pois aquele que age já não é ele enquanto «eu-próprio», mas um simples instrumento impessoal.

 

Quanto à concepção soteriológica do Sãkhya, ela parece--nos audaciosa. Partamos do dado inicial de toda a filosofia indiana: a dor; ao prometer libertar o homem da dor, o Sãkhya e o Ioga são forçados, no fim do seu itinerário, a negar a dor enquanto tal, a dor humana. Considerado do pon­to de vista da salvação, este caminho não conduz a nada, pois parte do axioma de que o espírito é absolutamente livre — is­to é, não contaminado pela dor — e chega ao mesmo axioma, a saber, que o Si só ilusoriamente é arrastado no drama da existência. O único termo que importa nesta equação, a dor, é deixado de lado: o Sãkhya não elimina o sofrimento hu­mano, nega-o enquanto realidade, ao negar que possa man­ter uma relação real com o Si. O sofrimento permanece, por­que é um facto cósmico, mas perde o seu significado. Elimina-se o sofrimento ignorando-o enquanto sofrimento.

 

Esta eliminação não é empírica (estupefacientes, suicídio), já que, do ponto de vista indiano, qualquer solução empírica é ilusória, sendo ela própria uma força kármica. Mas a solução do Sãkhya aliena o homem da humanidade, pois só é reali­zável pela destruição da personalidade humana. As práticas Iôga propostas por Patãjali têm o mesmo objectivo.

 

Tais soluções soteriológicas podem parecer «pessimistas» ao homem ocidental, para quem a personalidade é, apesar de tudo, o pilar de toda a moral e de toda a mística. Mas para a Índia, aquilo que mais importa não é tanto a salvação da personalidade como a obtenção da liberdade absoluta. A partir do momento em que essa liberdade não pode ser adquirida na actual condição humana e que a personalidade produz o so­frimento e o drama, são evidentemente a condição humana e a «personalidade» que devem ser sacrificadas. Este sacrifício é de resto grandemente compensado pela conquista — assim possibilitada — da liberdade absoluta.

 

Poder-se-ia, evidentemente, responder que o sacrifício exi­gido é demasiado grande para que os seus frutos possam ain­da apresentar algum interesse. Com efeito, não será a condi­ção humana, cujo desaparecimento se exige, apesar de tudo, o único título de nobreza do homem? A esta eventual obser­vação do Ocidental, o Sãkhya e o Iôga respondem de an­temão, ao afirmar: enquanto não tiver superado o nível da vi­da psicomental, o homem só poderá conjecturar sobre «esta­dos» transcendentes que serão o preço do desaparecimento da consciência normal; qualquer juízo de valor que diga res­peito a esses «estados» é automaticamente invalidado pela simples razão de que aquele que o emite é definido pela sua própria condição, de ordem inteiramente diferente daquela sobre a qual se supõe recair o juízo de valor.

 

 

O Iôga clássico começa onde o Sãkhya termina. Patãjali apropria-se quase inteiramente da filosofia Sãkhya, e todavia não acredita que o conhecimento metafísico possa, por si só, conduzir o homem à libertação. Com efeito, o co­nhecimento não faz mais do que preparar o terreno para a aquisição da liberdade (mukti). A libertação deve, por assim dizer, ser conquistada à força, nomeadamente através de uma técnica ascética e de um método de contemplação. O objecti­vo do Iôga, tal como o do Sãkhya, é a supressão da cons­ciência normal em proveito de uma consciência qualitativamente diferente, capaz de compreender de forma exaustiva a verdade metafísica. Ora, para o Iôga, a supressão da cons­ciência normal não é facilmente realizável. Além da filosofia, ou darshana, ela implica ainda uma «prática» (abhyâsa), uma ascese (tapas), em suma: uma técnica fisiológica.

 

Patãjali define o Iôga como: «A supressão dos estados de consciência.» (Y S., 1, 2.) A técnica iôguica pressupõe, con­sequentemente, o conhecimento experimental de todos os «estados» que «agitam» uma «consciência» normal, profana, não iluminada. Tais estados de consciência são em número ilimitado. Mas entram todos em três categorias, correspondendo respectivamente a três possibilidades de experiência: 1. Os erros e as ilusões (sonhos, alucinações, erros de percepção, confusões, etc.): 2. a totalidade das experiências psicológicas normais (tudo o que sente, percebe ou pensa o profano, aque­le que não pratica o Iôga); 3. as experiências parapsicológi­cas desencadeadas pela técnica iôguica, e acessíveis, natu­ralmente, só a iniciados.

 

Para Patãjali, a cada uma destas «classes» (ou categorias) de experiências corresponde uma ciência ou um grupo de ciências, pelas quais se rege a experiência. E igualmente esta ciência que reconduz a experiência aos limites fixados quando estes são transpostos. A teoria do conhecimento, por exemplo, tal como a lógica têm por missão evitar os erros dos sentidos e as confusões conceptuais. A «psicologia», o direi­to, a moral têm por objecto a totalidade dos «estados de cons­ciência» de um homem «normal», estados que ao mesmo tempo avaliam e classificam. Visto que, para o Iôga e o Sârnkhya, todas as experiências psicológicas são produzidas pela ignorância da verdadeira natureza do Si (purusha), daí resulta que os factos psíquicos «normais». ainda que reais de um ponto de vista estritamente psicológico e válidos de um ponto de vista lógico (não sendo ilusórios, como o sonho ou a alucinação), são no entanto falsos de um ponto de vista me­tafísico. De facto, a metafísica só reconhece como válida uma terceira categoria de «estados», em particular aqueles que precedem a en-stase (samâdhi) e preparam a libertação.

 

O objectivo do Iôga de Patãjali é portanto o de abolir as duas primeiras categorias de experiências (provenientes res­pectivamente do erro lógico e do erro metafísico) e suhstituí­-las por uma «experiência» en-stática, supra-sensorial e extra-racional. Graças ao samâdhi, transcende-se definitivamente a condição humana — dramática, já que provém do sofri­mento e se consuma no sofrimento — e alcança-se finalmen­te essa libertação total, a que a alma indiana aspira com tan­to ardor.

 

Vyâsa (ad Y. S. I, 1) classifica da seguinte forma as moda­lidades da consciência (ou «planos mentais», citta bhumi): 1. instável; 2. confusa, obscura; 3. estável e instável; 4. fixada num único ponto; 5. completamente refreada. As duas primeiras modalidades são comuns a todos os homens, pois, do ponto de vista indiano, a vida psicomental é normalmente confusa. A terceira modalidade de consciência obtém-se fi­xando o espírito «ocasional e provisoriamente», através do exercício da atenção (por exemplo, num esforço de memória, ou durante a resolução de um problema matemático, etc.); mas é passageira e de nada serve à libertação (mukti), já que não se obtém por meio do Iôga. Só as duas últimas modalidades acima referidas são «estados» iôguicos, isto é, provo­cados pela ascese e a meditação.

 

Evidentemente, esta classificação das modalidades e «dis­posições» da consciência não é feita em função do simples conhecimento. Pois, ao contrário do Sâmkhya, o Iôga propõe destruir, um após outro, os diferentes grupos, espécies e va­riedades de «estados de consciência» (chittavrtti). Ora, esta destruição não pode ser conseguida se não se começar por co­nhecer, por assim dizer, experimentalmente, a estrutura, a ori­gem e a intensidade daquilo que é votado à destruição.

 

«Conhecimento experimental»  significa neste caso: méto­do, técnica, prática. Não se pode adquirir nada sem agir e sem praticar a ascese (tapas): este é um dos leitmotiv da literatu­ra iôguica. Os livros II e III dos Iôga-Sútra são muito parti­cularmente consagrados a esta actividade iôguica (purifica­ções, posições corporais, técnicas respiratórias, etc.). Por is­so a prática do Iôga é indispensável. Com efeito, só depois de ter experimentado os primeiros resultados desta técnica se pode ter fé (shraddhâ) na eficácia do método. (Vyâsa, ad Y S., 1, 34). A negação da realidade da experiência iôguica, ou a crítica de alguns dos seus aspectos, não é aceitável por parte de um homem a quem seja estranho o conhecimento imedia­to da prática; porque os estados iôguicos transcendem a con­dição que nos circunscreve, no momento em que os critica­mos.

 

Patãjali, e depois dele uma infinidade de mestres iôguicos e tântricos, sabe que os cittvrtti, os «turbilhões de consciência», não podem ser controlados e, em última análise, abolidos, se não forem anteriormente «experimentados». Noutros termos, não podemos libertar-nos da existência (sãsâra) se não conhecermos a vida de forma concreta. As­sim se explica a paradoxal teleologia da Criação que, segundo o Sâmkhya e o Iôga, por um lado «acorrenta» a alma humana e, por outro, incita-a à libertação. De facto, a condição humana, ainda que dramática, não é desesperada. porque as próprias experiências tendem a libertar o espírito (gerando em particular o repúdio do sãsâra e a nostalgia da renún­cia). Mais ainda: só pelas experiências se alcança a liberda­de. Assim, os deuses (videha, «desencarnados») — que não têm experiência, porque não têm corpo — gozam de uma condição de existência inferior à condição humana e não po­dem alcançar a libertação completa.

 

 

O subconsciente

 

Ao analisar a «individualidade psíquica», Patãjali desco­bre cinco classes, ou antes, cinco «matrizes» produtoras de estados psicomentais (chittavrtti): a ignorância (avidyâ), o sentimento de individualidade (asmitâ: «persona»), a paixão, o apego (râga), o aborrecimento (dvesha), e o amor pela vida, a «vontade de viver» (abhinivesha) ( Y S., II, 3, e o comentá­rio de Vyâsa). Não se trata de cinco funções psíquicas distin­tas: o organismo psíquico constitui um todo, embora os seus comportamentos sejam múltiplos. Todas as classes de vrtti são «dolorosas» (klesha); portanto, a experiência humana na sua totalidade é dolorosa. Só o Iôga permite suspender os vrtti e abolir o sofrimento.

 

Assim, o iôgui deve «trabalhar» e «manusear» estes vrtti que constituem o fluxo psicomental. A sua causa ontológica é, naturalmente, a ignorância ( Y. S., 1, 8). Mas, ao contrário do Sâmkhya, o Iôga afirma que a abolição da ignorância me­tafísica não basta para obter a destruição total dos estados de consciência. E isto porque, ainda que os «turbilhões» actuais fossem aniquilados. outros viriam sem tardar substituí-los, provindo das imensas reservas de latências sepultadas no subconsciente. O conceito de Vâsana que designa estas latên­cias é de urna importância fundamental na psicologia Iôga; no texto de Patanjali tem o sentido de «sensações subcons­cientes específicas». Os obstáculos que essas forças sublimi­nares interpõem no caminho que conduz à libertação são de duas espécies: por um lado, os vâsanâ alimentam sem cessar o fluxo psicomental, a série infinita dos chittavritti; por outro lado, e isto em virtude das suas modalidades específicas (su­bliminar, «germinal»), os vâsanâ constituem um obstáculo enorme: porque são inapreensíveis, difíceis de controlar e do­minar. Pelo simples facto de o seu estatuto ontológico ser o da «potencialidade», o seu próprio dinamismo obriga os vâ­sanâ a manifestar-se, a «actualizar-se» sob a forma de actos de consciência. Assim o iôgui — mesmo quando tem uma prática prolongada e percorreu várias etapas do seu itinerário ascético — corre o risco de se ver confundido pela invasão de uma poderosa corrente de «turbilhões» psicomentais precipi­tados pelos vâsanâ.

 

«Os vâsanâ têm a sua origem na memória», escreve Vyâsa (ad Y S., IV, 9), sublinhando desta forma o seu carácter su­bliminar. A vida é uma descarga contínua de vâsanâ que se manifestam através dos vrtti. Em termos psicológicos, a exis­tência humana é urna actualização ininterrupta do subcons­ciente por meio de experiências. Os vâsanâ condicionam o carácter específico de cada indivíduo; e tal condicionamento é conforme tanto à hereditariedade como à situação kármica do indivíduo. Com efeito, tudo o que define a especificidade intransmissível do indivíduo, assim como a estrutura dos ins­tintos humanos, é produzido pelos vâsanâ, pelo subcons­ciente. Este transmite-se quer de forma «impessoal», de ge­ração em geração (por intermédio da linguagem, dos costu­mes, da cultura: transmissão étnica e histórica); quer directa­mente (por meio da transmigração kármica; recordemos a es­te propósito que as potencialidades kármicas se transmitem através de um «corpo anímico», linga, literalmente: «corpo subtil»). Boa parte da experiência humana deve-se a esta he­rança racial e intelectual, a estas formas de acção e de pen­samento criadas pelo jogo dos vâsanâ. Estas forças subcons­cientes determinam a vida da maior parte dos homens. Só por meio do Iôga podem ser conhecidas, controladas e «quei­madas».

 

Aquilo que caracteriza a consciência humana — assim co­mo o Cosmos na sua totalidade — é o circuito ininterrupto que se estabelece entre os diferentes níveis biomentais. Os actos do homem (karma), suscitados pelos estados psico­mentais (chittavrtti), suscitam por sua vez, outros chittavriti. Mas estes estados de consciência são eles próprios resultado da actualização das latências subliminares, os vâsanâ. Desta forma, o circuito latência-consciência-actos-latências, etc. (vâsanâ-vrtti-karma-vâsanâ, etc.) não apresenta solução de continuidade. Sendo manifestações da matéria cósmica (prakrti), todas estas modalidades da «substância psíquica» são reais e, como tal, não podem ser destruídas em virtude de um simples acto de conhecimento (como, no exemplo clássico da filosofia indiana, é «destruída» a ilusão de que nos en­contramos diante de uma serpente quando, olhando mais de perto, nos apercebemos de que a «serpente» era na realidade um pau). A combustão destes estados subliminares, de que fala o Iôga  significa, com efeito, que o Si (purusha) se des­vincula do fluxo da vida psíquica. Nesse caso, a energia men­tal — que, estando determinada pela lei kármica e projecta­da pela ignorância, ocupava até então o horizonte da cons­ciência, obscurecendo-a — sai (também ela!) da órbita «indi­vidual» no interior da qual se movia (asmita, personalidade) e, entregue a si própria, acaba por se reintegrar na prakrti, na matriz primordial. A libertação do homem «liberta» ao mes­mo tempo um fragmento da matéria, permitindo-lhe regres­sar à unidade primordial de que procedeu. O «circuito da ma­téria psíquica» cessa graças à técnica iôguica. Neste sentido, pode dizer-se que o iôgui contribui directa e pessoalmente para o repouso da matéria, para a abolição de pelo menos um fragmento do Cosmos.

 

O papel do subconsciente (vâsanâ) é de importância consi­derável para a psicologia e a técnica iôguicas, porque é ele que condiciona não só a experiência actual do homem, como também as suas predisposições inatas, assim como as suas fu­turas decisões voluntárias. Torna-se assim inútil tentar modifi­car os estados de consciência (chittavrtti) enquanto não se con­trolarem e dominarem as latências psicomentais (as vâsanâ). Para que a «destruição» das chittavrtti seja bem sucedida, é in­dispensável cortar o circuito subconsciente-consciente. E o que o Iôga procura através de um conjunto de técnicas que, no seu conjunto, têm por finalidade aniquilar o fluxo piscomen­tal, detê-lo.

 

Antes de considerar essas diversas técnicas, assinalemos brevemente a profundidade das análises psicológicas de Pa­tãjali e dos seus comentadores. Muito antes da psicanálise, o Iôga mostrou a importância do papel desempenhado pelo subconsciente. O dinamismo próprio do inconsciente é, segundo o Iôga, o obstáculo mais sério que o iôgui terá de su­perar. Isto porque as latências querem sair à luz, tornar-se, actualizando-se, estados de consciência. A resistência que o subconsciente opõe a todo o acto de renúncia e de ascese, a todo o acto que poderia ter por efeito a libertação do Si, é, di­gamos assim, o sinal do medo sentido pelo subconsciente à simples ideia de que a massa das latências ainda não manifestadas possa falhar o seu destino, ser aniquilada antes de ter tido tempo de emergir e actualizar-se.

 

Falámos da semelhança que existe entre o Iôga e a psicanálise. A comparação é, de facto, possível, salvo umas pou­cas reservas, todas, de resto, a favor do Iôga. Ao contrário da psicanálise freudiana, o Iôga não vê no inconsciente apenas a libido. O Iôga ilumina o circuito que liga consciente e sub­consciente, o que o leva a considerar o subconsciente ao mes­mo tempo como matriz e receptáculo de todos os actos, ges­tos e intenções egoístas, isto é, dominados pela «sede do fru­to» (phalatrsna), pelo desejo de auto-satisfação, de sacieda­de, de multiplicação. Vem do subconsciente e ao subcons­ciente regressa (graças às «sementes» kármicas) tudo o que quer manifestar-se, isto é, ter uma «forma», mostrar o seu «poder», definir a sua «individualidade».

 

Ainda ao contrário da psicanálise, o Iôga acredita que o subconsciente pode ser dominado pela ascese e até conquistado, por meio da técnica de unificação dos estados de cons­ciência, de que falaremos um pouco mais adiante. Sendo a experiência psicológica e parapsicológica do Oriente em ge­ral e do Iôga em particular incontestavelmente mais vasta e organizada que a experiência sobre a qual se edificaram as teorias ocidentais sobre a estrutura da psique, é provável que, também sobre este ponto, o Iôga tenha razão, e que o sub­consciente — por mais paradoxal que isto nos pareça — pos­sa ser conhecido, dominado e conquistado.