Jornalista do Futuro: Tecnológico, "Faz-tudo" e "Free-lancer"
Por ELISABETE VILAR
Lisboa, Jornal PÚBLICO, Domingo, 24 de Agosto de 2003

Computador às costas, com antenas; viseira com vídeo e máquina fotográfica incorporados; bloco e caneta electrónicos; GPS e outras maquinetas. Os equipamentos que andam a ser congeminados nos laboratórios das universidades para apetrechar o "jornalista do futuro" farão com que os repórteres se assemelhem a criaturas robotizadas como o "Exterminador" do cinema - mas dar-lhes-ão também a autonomia e capacidade de trabalho que hoje só se obtém na redacção.

Exemplo disso é a Mobile Journalist Workstation, um projecto do Centro Para os Novos Media da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, liderado pelo investigador John Pavlik, para quem "a melhor forma de prever o futuro é configurá-lo". Este equipamento, cuja designação que pode ser traduzida como "estação de trabalho móvel para jornalistas", está a ser testado e apurado há muitos meses, permitindo realizar trabalhos de fundo quase instantaneamente sem ter de sentar-se à secretária.

É que à informação recolhida e redigida pelo repórter, a que se pode aceder "em directo", somam-se os arquivos e informações complementares. Isto é, quem consulta a informação tem a oportunidade de enveredar pelo ângulo que mais lhe interessa, podendo, por exemplo, inteirar-se sobre detalhes arquitectónicos ou históricos do edifício onde decorre um evento em lugar de saber coisas sobre o acontecimento em si.

A tecnologia permite assim realizar aquilo que Pavlik designa por "situated documentaries", documentários muito mais contextualizados, pela quantidade e diversidade de informação a que o receptor, de preferência munido de um computador que cabe na palma da mão, pode ter acesso.

Mas independentemente da maquinaria utilizada, a ideia de um jornalista "faz-tudo", que concentra nas suas mãos diversas fases do processo de produção de notícias, já se instalou em muitas redacções.

Em Itália, por exemplo, a Mediaset de Berlusconi está já a criar jornalistas "ultra-versáteis", a que falta apenas a recolha de imagens. Os repórteres disporão das imagens de que necessitam para ilustrar ou elaborar as peças directamente nos seus computadores. Sentados no seu "estúdio virtual", montarão a reportagem em completa solidão. Aos técnicos, em contrapartida, recorrer-se-á apenas para potenciar o serviço.

A redacção da Seimilano, canal de TV milanês da Benetton, composta por 20 repórteres, já funciona também neste modelo, sem apoios técnicos, já que os "videojornalistas" dão conta de todas as fases de produção das notícias. É a revolução permitida pelas máquinas de filmar digitais, que aliam um mínimo de qualidade à facilidade de manipulação e uso.

Mas Giovani Toti, redactor do telejornal Studio Aperto (de um dos canais da Mediaset) e membro do conselho de redacção da estação, deixa um alerta: "O jornalista será encarregado de novas funções e isso pode ser uma vantagem profissional. Todavia não gostaria que, transformado num 'mero' técnico, o jornalista deixasse o seu mester".

O jornalista enquanto historiador

Danilo Moi, do "Giornale della Trexenta", lembra outras tarefas que poderão caber ao jornalista na era da Internet. É que a imensa informação que existe na Web necessita de alguém que, no meio do caos, crie alguma ordem. "A principal tarefa do 'jornalista on-line' será essa. A necessidade de encontrar uma hierarquia na excessiva quantidade de notícias, de acontecimentos, de ideias, levará a que as publicações electrónicas se tornem cada vez mais filtros e não fontes de informação".

As publicações "on-line" não se limitam a dar a notícia, mas acumulam também o histórico dos acontecimentos - pelo que "o jornalista do futuro será um historiador do presente". O aumento da quantidade de informação determina também um aumento da "distância temporal subjectiva" em relação aos acontecimentos.

O jornalista "on-line" deverá, portanto, ser capaz de interpretar os acontecimentos de forma cada vez mais rápida e eficaz - deverá raciocinar mais depressa do que os outros.

Neste cenário, Moi acredita que surgirá uma nova figura profissional, "subordinada", nas redacções. Trata-se do equivalente moderno da dactilógrafa, entende o cronista, um pequeno servo que tem a ingrata tarefa de fazer a investigação metódica que permite ao "verdadeiro jornalista" ser veloz.

Resulta assim claro que a informação "on-line" de alto nível "irá precisar de investimentos, apesar do aparente e badalado 'baixo custo' de um jornal electrónico". Mas esse esquema irá alimentar sobretudo o aparecimento de jornalistas super-especializados em determinadas matérias. Moi prevê que a figura do jornalista "generalista e genérico" venha a desaparecer a médio prazo. Sobrará o "repórter temático".

A ética e deontologia deverão, por isso, manter-se como importantes peças de base da actividade, dado que a credibilidade das fontes de informação, tendo em conta a sua gigantesca quantidade, será porventura ainda mais crucial.

Distintos poderão ser os vínculos entre profissionais e órgãos de "media", tendo em conta até que a tendência é para que o repórter elabore peças a difundir em diversos suportes. Carlo Massarini, apresentador do programa Media Mente, da RAI 3, pensa que o laço será mais ténue do que hoje. "O jornalista desvincula-se do jornal porque trabalha 'em tempo real'". O jornalista do futuro será, portanto, um "free-lancer" - no que alguns profissionais dos nossos dias estão já actualizados.