Parlamento: espião envolve portugueses

Diário de Notícias, Lisboa, 25 de Julho de 2002


O antigo espião da CIA Oswald Le Winter envolveu, em declarações na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso Camarate, os falecidos marechal Costa Gomes e almirante Pinheiro de Azevedo numa operação de tráfico de armas dos Estados Unidos da América para o Irão, em 1980.

Embora tenha envolvido os dois militares (que chegaram a ser respectivamente presidente da República e primeiro-ministro no período do pós-revolução dos cravos), Winter nunca conseguiu estabelecer uma ligação entre esse alegado tráfico de armas e a morte de Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, afirmando apenas "não acreditar em coincidências".

De acordo com a tese do ex-quadro dos serviços secretos norte-americanos (já publicada em livro), a oposição de Sá Carneiro e Amaro da Costa a que Portugal fosse um ponto de passagem para o fornecimento de armas ao Irão terá estado na origem da morte de ambos no acidente de Camarate.

Apesar de admitir não ter provas sobre o envolvimento do ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger no acidente de Camarate, Le Winter disse acreditar que Francisco Sá Carneiro "fosse considerado aos seus olhos um inimigo".

"Conhecendo como conheci Henry Kissinger, sabendo como ele actuou na Suécia e no Chile, é natural que não gostasse de Sá Carneiro, um patriota que se opunha à perda de soberania de Portugal. Henry Kissinger tem tanto de brilhante como de satanás", disse.

Em relação à tese publicada em livro, a novidade do depoimento de ontem aos deputados foi a revelação dos nomes que terão estado envolvidos nesse tal tráfico de armas (no livro Winter fala apenas em dois militares do Conselho da Revolução). O antigo espião da CIA disse que Costa Gomes e Pinheiro de Azevedo colaboraram em dois níveis na operação de tráfico de armas. "Esses homens não foram desleais a Portugal, mas forneceram os certificados do material (as armas) e a autorização para o seu carregamento no porto de Setúbal", afirmou.

Segundo Le Winter, a operação de tráfico de armas começou logo após a tomada de posse do segundo Governo liderado por Francisco Sá Carneiro, mais precisamente em Novembro de 1980, tendo também contado com o envolvimento dos serviços secretos sul-africanos e de um antigo agente da PIDE em Moçambique Pedro Lopes.

"E o tráfico de armas intensificou-se nos governos seguintes", sublinhou.

Nessa época, o ex-agente da CIA disse que Pedro Lopes já se dedicava ao tráfico de armas, a partir de um seu escritório em Lisboa. Questionado pelos deputados sobre a viabilidade desse tal Pedro Lopes poder ser ouvido, disse que o nome deve ser falso e que "pode ser qualquer um, até pode ser o nome falso de Francisco Pinto Balsemão". "Estou a brincar, é claro", acrescentou logo em seguida.

Na perspectiva de Le Winter, as armas com destino ao Irão destinavam-se a pagar ao regime islâmico de Teerão a libertação de 52 reféns norte-americanos em seu cativeiro.

Por esse acordo, ainda segundo Le Winter, os iranianos ficavam obrigados a apenas libertarem os reféns após as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América.

O antigo espião da CIA disse que uma primeira tentativa de acordo entre norte-americanos e o regime iraniano envolveu o Banco Espírito de Santo - "um banco amigo dos Estados Unidos".

"Ficou acordado abrir nesse banco uma conta, onde seriam depositados 200 milhões de dólares, mas os iranianos nunca deram sequência à operação", disse.