A ROTA DA SEDA:

Uma Rota de Comércio e de Religiões

 

[Esta é uma adaptação em português do texto inglês na seguinte morada de Internet]

http://ess1.ps.uci.edu/~oliver/silk.html

 

 

http://www.silk-road.com/toc/index.html

[mapa da rota da seda]

 

 

Introdução

 

A região que separa a China da Europa e do Oeste asiático é pouco acolhedora em termos de terreno e clima. Uma grande parte faz parte do deserto Taklimakan com um ambiente mais hostil do mundo. Apresenta muito pouca vegetação e não recebe chuva. Tem sido sepultura para muitos que aventuraram pelo deserto. As populações locais sabem disso e designam o deserto como “Terra da Morte”.  Ao contrário do deserto de Gobi, este deserto é atravessado por poucos caminhos, e as caravanas dão-lhe volta, tocando nos oásis que distam muito um do outro. O clima é muito duro. Nos  dias de Verão pode chegar a 40º C, e às vezes ainda 50º C na bacia de Turfan. No Inverno a temperatura pode baixar para -20º C e menos ainda. Sobe rapidamente com o Sol, mas também cai velozmente nas tardes. As tempestades de areia são frequentes e perigosíssimas. As regiões nos arredores do Taklimakan não são menos hostis. Ao nordeste se situa o Gobi, e nos outros três lados estão algumas das mais altas cordilheiras do mundo. No sul estão os Himalaya, Karakorum e Kunlun, que separam a Ásia central do sub-continente indiano. Existem raros desfiladeiros que atingem 5,000 metros de profundidade e quase sempre cobertos com gelo. É  possível com enormes dificuldades aventurar uma travessia. Ao norte e oeste estão situadas as cordilheiras Tianshan e Pamir. Tem vegetação e são menos íngremes, mas nem por isso foram são fáceis de atravessar. Do lado leste fica o acesso mais fácil pelo “corredor Gansu”, uma faixa de terreno fértil na base das montanhas Qilian, que separam o grande planalto de Mongólia e o deserto Gobi do alto Planalto Tibetano. Para quem vem do oeste ou sul, os desfiladeiros são a única opção.

 

A História Antiga da Região

 

Ao leste e ao oeste da região evoluíram as civilizações da China e do Ocidente. A parte ocidental da rota parece ter evoluído antes da parte oriental, devido ao desenvolvimento dos impérios do ocidente e porque as regiões da Pérsia e da Síria eram mais fáceis de acesso. O império iraniano da Pérsia controlava uma grande parte do Médio Oriente, estendendo-se até aos reinos da Índia. O comércio entre os dois vizinhos já influenciava as culturas destas regiões. Esta região foi conquistada por Alexandre Magno de Macedónia, que também derrotou o império persa c. 300 B.C. e impôs a cultura grega. Embora o seu reinado não tenha durado para além de 325 B.C., o impacto da invasão grega foi considerável. A língua grega e a sua mitologia e arte penetraram a região. Deixou uma escola de arte indo-grega, a arte Gandhara (http://www.tourism.gov.pk/gandhara_civilization.html), uma fusão de artes grega e budista, em Peshawar, hoje ao noroeste do Paquistão. Buda era representado como Heracles. Kushanas deram forma humana ao Buda, que até então era somente representado através de símbolos. Já nessa altura, no século III B.C. a região tornou-se um ponto de encontro das ideias persas, indianas e gregas. Há quem diga que os habitantes do vale Hunza de Karakorum são descendentes directos do exército de Alexandre que não estava muito longe do deserto Taklimakan.

 

Esta região que cobre toda a área ao sul do Hindu-kush e Karakorum, hoje correspondendo aos territórios de Paquistão e Afeganistão, foi ocupada por vários povos em vários tempos. Depois dos Gregos chegaram as tribos de Palmira (Síria), e mais tarde os Partos do Levante. Estes povos eram menos sofisticados que os Gregos, e adoptaram a língua e moeda gregas, mas deixaram a sua marca própria na escultura e arte. Após os Partos chegaram os Yuezhi, das regiões nortenhas de Taklimakan. Eles tinham sido empurrados pelos Xiongnu (provavelmente os antepassados dos Hunos que nos século V invadiram o império romano) que se estebeleceram no Norte da Índia. Os seus descendentes no século I ficaram conhecidos por Kushanas, que adoptaram a religião budista, mas também muitos costumes gregos.

 

A parte oriental da rota desenvolveu-se mais lentamente. Na China, o período dos Estados Guerreiros teve o seu fim com o início da dinastia Qin  fundada por Shi-huang-di. Começando com a província ocidental de Chin, o imperador tomou medidas duras para unificar China, impondo-lhe uma língua e padrões de pesos e moeda. Construiu uma rede nacional de estradas e canais para a movimentação do exército. Changan (hoje Xian) foi escolhida para capital. É desta dinastia que originou o nome da China. A tribo Xingnu fazia incursões frequentes no Norte, e foi para resistir a essa ameaça contínua que os Qin construíram a Grande Muralha desde Gansu (oeste) até Liaodong (leste). Curiosamente, o primeiro Imperador ordenou a queima de letrados confucianos e historiadores e suas obras para que o passado não fosse desacreditar o presente! Após a queda dos Qin em 206 B.C. a unidade da China foi sustentada pelos Han ocidentais. Procedeu-se à pensa recuperação de textos antigos a partir da memória e se descobriram exemplares gravemente mutilados que em 213 B.C. alguém tinha escondido, correndo graves riscos pessoais.

 

No processo de campanhas contra os Xiongnu, durante o reinado do imperador Wudi, em 138 B.C. um seu enviado, Zhang Qian foi despachado para ocidente, para aí fomentar movimentaçãoes dos inimigos dos Xiongnu. Para espanto da corte chinesa, no seu regresso após ter escapado das mãos dos Xiongnu que o deixaram preso durante 10 anos. Ele passou pela reino (hoje Afeganistão) greco-budista de Báctria, um remanescente dos domínios de Alexandre. Não tinha havido qualquer intercâmbio cultural entre a China antiga e o Ocidente greco-romano. Chang’an tomou conhecimento de outras civilizações, mas a única influência estrangeira neste primeiro período veio da Índia, sob a forma de budismo. Entre as coisas concretas que Zhang Qian trouxe consigo em 126 eram a videira, a nogueira e o cânhamo.  Mas o que despertou maior interesse do Wudi foi a informação que o seu agente trouxe acerca de “cavalos celestes”, que podiam ser utilizados contra os Xiongnu que dispunham somente de cavalinhos (pónei) de Mongólia. Zhang Qian foi re-enviado em 115 em missão diplomática para buscar os cavalos da Ásia central. Somente em 101, um general chinês conseguiu conquistar a bacia de Ferghana e garantir o abastecimento de cavalos em suficiente número. As conquistas militares nas “regiões ocidentais” permitiram expansão no sul, onde hoje é Tonquim. Zhang Qian pode ser considerado o pai da Rota da Seda, embora alguns produtos chineses, incluindo a seda,  já tivessem chegado à Roma antes disso.

 

A Natureza da Rota

 

A designação da rota para o Ocidente como Rota de Seda pode criar alguma confusão.

 

Em primeiro lugar, não existia uma rota única. Havia várias que atravessavam a Ásia central, ligando vários oásis. Todas elas começavam na Capital Changan. Passavam pelo corredor Gansu e chegavam a Dunhuang na borda de Taklimakan. A rota setentrional dirigia-se pelo desfiladeiro Yumen Guan (Porta de Jade) e atravessava o colo de Gobi até Hami (Kumul). Ladeava em seguida as montanhas Tianshan na borda setentrional de Taklimakan. Tocava as principais oásis de Turfan e Kuqa antes de chegar a Kashgar, ao sopé dos montes Pamir. A rota meridional separava-se em Dunhuang, passando por Yang Guan e ladeando a borda sul do deserto, via Maran, Hetian (Khotan) e Shache (Yarkand). Juntava-se com a rota norte em Kashgar. Havia muitas outras rotas pouco usadas. Uma dessas separava-se da rota-sul e prosseguia pelo leste de Taklimakan para a cidade de Loulan, juntando-se depois com a rota-norte em Korla. Kashgar tinha-se tornado um ponto de encontro de rotas. A partir daí as ortas separavam-se novamente, seguindo a direcção de Pamir até Samarkanda e para o sul do Mar Cáspio, ou para a Índia atravessando Karakorum. Um outro desvio da rota-norte saía de Kuqa e dirigia-se para a cordilheira de Tianshan para chegar às margens do Mar Cáspio, via Tashkent.

 

Em segundo lugar, a Rota da Seda não era utilizada somente para comércio de seda. Muitos outros produtos passavam por ela, incluindo ouro, marfim, animais exóticos e plantas. Provavelmente o Ocidente dava mais importância à seda. Conta-se que os romanos viram a seda pela primeira vez numa campanha contra os Partos em 53 B.C. Traziam bandeiras de seda que brilhavam e cegavam os inimigos. Souberam dos prisioneiros Partos que ele obtinham a seda dos “seres”. Os Romanos gostaram muito do tecido e os Partos fizeram negócio com eles. Os Romanos decidiram descobrir a rota para se livrarem da dependência e dos lucros que iam para os Partos. Nem por isso o nome da rota foi dado pelos Romanos. É uma nomenclatura do século XIX e da autoria do geógrafo alemão Ferdinand Freiherr von Richtofen.

 

As caravanas que utilizavam a rota em direcção da China carregavam ouro e metais preciosos, marfim, pedras preciosas, vidro (que não era produzido na China até ao sec. V). Na direcção contrária passavam as peles, cerâmica, jade, objectos de bronze, lacre e ferro. Muitos desses produtos eram trocados por outros no percurso. Não há evidencia da presença dos comerciantes romanos em Changan, nem de Chineses em Roma. Provavelmente, os intermediários partos continuaram a tomar conta das transacções.

 

A Evolução da Rota

 

O desenvolvimento das rotas de comércio na Ásia Central causaram alguns problemas para os governantes da China. Os bandidos tomaram conhecimentos das riquezas que chegavam ao corredor Gansu e passavam pelas bordas de Taklimakan. As caravanas precisavam então de serem protegidas, o que aumentava os custos. Tentou-se proteger a rota contra os Xiongnu com construção de fortalezas e muralhas no lado norte do corredor Gansu. Os bandido tibetanos assaltavam as caravanas nas montanhas Qilian no sul. Podem-se ver ainda hoje alguns lanços da muralha dos Han até Yumen Guan, muito para além do início oficial da Grande Muralha em Jiayuguan. Essa forma de protecção não era de todo segura e os Chineses perderam controlo de algumas zonas da rota durante certos intervalos de tempo.

 

A dinastia Han estabeleceu um governo local em Wulei, não longe de Kuqa na fronteira norte de Taklimakan, para assim proteger melhor essa região que abrangia 50 estados na altura. Foi construída a cidade de Gaochang na bacia de Turfan. Esta tornou-se capital do reino Huihe, onde mais tarde se estabelecu a minoria étnica dos Uygur. Criaram-se assentamentos de populações nos oásis. Estes agrupamentos viviam do comércio da rota e absorviam as influencias culturais que passavam por ela. Raros comerciantes percorriam a rota inteira. A grande maioria consistia de comerciantes que não iam muito longe das suas zonas de residência. Os produtos passavam por vários intermediários num processo bastante lento. As populações locais serviam-se de guias para as caravanas nos sectores mais perigosos e difíceis.

 

Os sucessores dos Han controlaram novos estados. Apareceram e desapareceram colónias no percurso da rota. A cidade fortificada de Loulan na marge do lago Lop Nor é um exemplo. Foi importante no sec. III A.D., mas os Chineses perderam o seu controle a seguir. Muitas colónias abandonadas foram enterradas pelas areias do Taklamakan. As colónias representam a natureza do comércio que se realizava nelas ou na região. A seda, de caminho para o Ocidente, raras vezes passava para além da Ásia Central. Os túmulos de Astana, em que se depositavam os mortes da nobreza de Gaochang, têm revelado muitos achados de seda e outros objectos de proveniência persa e indiana. As paredes dos túmulos encontram-se em alguns casos  muito bem conservadas e dão-nos muita informação sobre os costumes e arte dos tempos e das populações ligadas com o comércio. Também os cadáveres tem sido encontrados em bom estado de conservação e poderão vir a ser analisados para estabelecer as suas origens.

 

A mercadoria mais preciosa da rota era a religião. O Budismo viajou da Índia para a China por este caminho. As primeiras influências vieram através dos desfiladeiros de Karakorum. O imperador Mingdi dos Han orientais enviou uma mensageiro até à Índia para trazer mais informações acerca do Budismo. Chegaram monges e escrituras, bem com a arte budista que foi descoberta em várias grutas na província de Sichuan, pertencentes ao século II da nossa era.

 

A cordilheira dos Himalaias foi sempre uma barreira física entre a China e a Índia.  O Budismo teve que passar pelo rio Indo e influência Gandhara. O Budismo chegou a Tibete muito mais tarde, e desenvolveu-se somente no século VII. O Budismo sofreu muitas outras influencias locais antes de chegar a China central. Isso vê-se nas pinturas das grutas descobertas no percurso da rota da seda. O maior influxo do Budismo teve lugar durante a dinastia do Wei do Norte, nos séculos IV e V A.D. Era um período em que China estava dividida em vários reinos, e os Wei do Norte tinham a sua capital em Datong, hoje na província de Shanxi. Os governantes mostraram interesse pelo Budismo e enviaram mais missões para a Índia. A nova religião expandiu-se para as oásis ao redor do Taklimakan. Muitas etnias locais, incluindo os Huihe adoptaram a nova religião. Faxian, um peregrino chinês, deixou um relato muito detalhado do Budismo nos reinos de Khotan e Kashgar em 399 A.D. Nele insere descrições de vários mosteiros e de um grande festival budista que se celebrou durante a sua passagem.

 

Alguns devotos ficaram tão entusiasmados com a nova religião que decidiram ir às suas fontes em Gandhara e na Índia. Outros construíram mosteiros e grutas e stupas. As bordas de Taklimakan conservam muitas grutas, nem todas ainda descobertas. A pedra arenosa do deserto facilita a escavação. Não faltavam fundos para as obras na rota da seda. Os ricos comerciantes procuravam segurança temporal e eterna. Alguns destes benfeitores ficaram registados nas pinturas murais das grutas mais famosas de Mogao em Dunhuang, na borda oriental de Taklimakan. Foram encontrados nelas muitos documentos antigos com escrituras em chinês, sânscrito, tibetano, Uygur e outras línguas até agora desconhecidas. A construção das grutas corresponde ao período da dinastia dos Wei do Norte. Existe um complexo enorme em Kuqa, e as melhores amostras se encontram em Kyzil. Existem também aglomerados de grutas em Gaochang, e as maiores grutas são as de Bezeklik. Mas nem todas as grutas estão localizadas em volta de Taklimakan. Existe um nucelo significativo em Bamiyan no Hindu Kush, hoje em Afeganistão. Estavam aqui as duas maiores estátuas do Buda (destruídas recentemente pelos Talibâs). As grutas são uma fonte valiosa de informação sobre o quotidiano desses tempos nessas regiões pelas quais passava a rota da seda. Permite também estudar a evolução do Budismo desde Gandhara até às formas mais individualistas do tipo Mahayana (http://idp.bl.uk/IDP/buddhism/index.html). Os budas e bodisatvas do Wei apresentam formas faciais mais indianas, com caras magras e lóbulos de orelhas alongados, e auras serenas. O Budismo mais desenvolvido da dinastia Tang representa nas imagens e pinturas figuras mais gordas, mais arrendondadas e contentes. Aparecem também figuras de Apsaras, equivalentes aos anjos do Cristianismo.  É interessantes acompanhar as mudanças no estilo no decurso da rota, desde Kuqa ao oeste, passando por Turfan e Dunhuang, até às grutas de Maijishan (c. 300 qms. De Xian) e para dentro de China em Datong. A dinastria dos Wei do Norte foi a maior promotora do Budismo, e foi com o seu patrocínio que se começou a escavar o complexo de grutas de Yungang (http://kaladarshan.arts.ohio-state.edu/China/yungang/pgs/c18/c18ov.html) na província setentrional de Shanxi. Os trabalhos começaram todos de novo em Longman, quando a capital foi transferida para Luoyang. Aqui há mais imagens e escultura e poucas pinturas murais em comparação com as grutas de Taklimakan. Um Buda de Youngang mede 17 metros de altura, e é pouco menor do que o Buda de Leshan em Sichuan. Tem um braço levantado, como se quisesse assegurar conforto e paz para os sequazes perseguidos durante a fase inicial da dinastia Wei, antes da construção das grutas.

 

Surgiram várias seitas de Budismo na Ásia central. Entre elas, as mais poderosas eram “Terra Pura” e “Chan” (Zen), que foram para além das fronteiras da China, até ao Japão.

 

O Cristianismo também marcou a sua presença. Os Nestorianos tinham sido condenados pela Igreja em Roma em 432 A.D. Os seus sequazes passaram para o Oriente. Desde a sua base no Irão, os comerciantes levaram a fé através da rota da seda para Changan, onde tiveram a sua primeira igreja consagrada em 638 A.D. O cristianismo sobreviveu tempos difíceis na China até ao século XIV. Enocntraram-se escrituras dos Nestorianos entre outros documentos nas grutas de Dunhuang e Turfan. Também o Maniqueísmo persa do século III influenciou a China, e já tinha muita presença no início da dinastia Tang.

 

O Apogeu da Rota

 

A rota atingiu a sua maior importância durante a dinastia Tang, quando cessaram as divisões e perturbações constantes desde os tempos dos Han. Os reinos autónomos tinham sido incorporados e as ameaças dos bandidos eram mínimas. Foi nesta fase, no século VII, que o viajante chinês Xuan Zhuang foi buscar escrituras budistas na Índia. Eles viajou pela rota ao norte do Taklamakan e regressou pela rota sul. Ele deixou um relato pormenorizado das culturas e dos tipos de Budismo que encontrou na viagem. De regresso a Changan, capital dos Tang, foi-lhe permitido construir o Pagode do Grande Ganso onde ele guardou os 600 manuscritos trazidos da Ìndia. É considerada uma contribuição importante para o Budismo na China. Changan era uma das maiores e mais cosmopolitas cidades  da época, com uma população de 2 milhões em 742 A.D. e com a extensão territorial igual à de Xian hoje. Segundo um censo de 754, cinco mil estrangeiros residiam na cidade. Entre eles contavam-se os Turcos, Iranianos, Indianos, Japoneses, Coreanos e Malaios. Os mercados da cidade dispunham de plantas raras, medicinas, especiarias e vários produtos ocidentais. Mas apesar de tudo isso, os chineses tratavam os estrangeiros como bárbaros e os presentes que traziam eram vistos como tributo para o Imperador.

 

Após o período Tang, a rota da seda entrou em declínio, e também se notava o mesmo na construção das grutas e na produção da arte. Já não havia a mesma estabilidade política durante o reinado das Cinco Dinastias. As caravanas eram outra vez ameaçadas pelos bandidos. China voltou a ser unificada pelos Song, mas a rota da seda não recuperou a sua importância anterior.

 

Para os Ocidentais, a China continuou a ser desconhecida, e não chegaram a aprender a produzir a seda. A Índia era conhecida desde as campanhas de Alexandre Magno, mas a terres dos “seres”  manteve-se desconhecida até ao século VII. A informação chegava através da rota da seda. Mas foi nessa altura que surgiu o Islão, que fechou para o Ocidente as fronteiras da Ásia. As relações comerciais foram retomadas, mas os muçulmanos eram os intermediários privilegiados. Foi explorada a via marítima da seda, substituindo assim a antiga rota terrestre que apresentava menos vantagens. Uma alteração de maior vulto ocorreu com a chegada dos Mongóis.

 

Os Mongóis

 

As guerras entre a Europa e o Islão afectou logo o comércio da rota da seda. As cruzadas aproximaram o mundo cristão da Ásia central, mas as forças muçulmanas sob o comando unido de Saladin afastaram-no. Durante a quarta cruzada, as forças do Cristianismo Latino humilharam os seus rivais gregos com a conquista de Constantinopla (Instambul). Não foram porém os Cristãos que dividiram o mundo muçulmano, mas os Mongóis. Enquanto a Europa e o Médio Oriente estavam em guerras religiosas, os Mongóis mal sabiam dessas religiões. Várias tribos de Turquestão em marcha adoptaram o Islão quando chegaram a Pérsia e Arábia. O Islão tinha chegado à Ásia, mas não às estepes da Mongólia. As tribos nómadas de Mongólia tinham aperfeiçoado as técnica de cavalgar e manejar arcos e setas. Em 1206 estavam unidos sob um comando central de Genghis Khan e conseguiram controlar uma grande parte da Ásia central, entre China e Pérsia, chegando até às margens do Mediterrâneo. Após a morte de Genghis Khan a parte ocidental foi dividida em três khanatos, e a parte oriental continuou sob governo directo de Kublai Khan, o qual conquistou a China inteira, subordinando-a à dinastia Yuan.

 

A unificação de muitos estados sob a dominação mongol permitiu uma interacção de várias culturas. A rota da seda tornou-se outra vez um veículo útil para comunicação entre as várias partes do império mongol. Embora menos “civilizados” do que os ocidentais, os mongóis tinham maior abertura para novas ideias. Sabe-se que Kublai Khan manifestou simpatia por outras religiões. Muitas nacionalidades e grupos religiosos participaram no comércio asiático e estabeleceram a sua residência na China. A religião mais popular era o Taoísmo, com que os mongóis simpatizaram no início. Contudo, a partir do século XIII o Budismo ganhou mais influência e o Budismo lamaísta de Tibete entrou nas preferências dos mongóis. As duas religiões conviveram amigavelmente durante a dinastia Yuan, e a mesma aceitação estendeu-se a outras religiões, incluindo o Cristianismo que estabeleceu o primeiro arcebispado católico em Beijing em 1307. Os Judeus e os Muçulmanos estavam também bem representados nas grandes cidades de China, mas não parece terem feito muitas conversões.

 

Foi nesta época que os primeiros europeus aventuraram na China. Alguns Franciscanos visitaram a cidade mongol de Karakorum. Os primeiros comerciantes europeus chegaram a corte de Kublai Khan em 1261. Mas o mais conhecido é o veneziano Marco Pólo. Saiu de viagem com o seu pai e um tio em 1271 quando tinha somente 17 anos de idade. Atravessaram Pérsia e seguiram a rota da seda via Khotan (http://www.silk-road.com/toc/index.html ). Chegaram à corte do Kublai Khan em Khanbalik (hoje Beijing). Visitaram o seu palácio de Verão, melhor conhecido como Xanadu.  Viajou largamente na China, e regressou de barco, passando por Sumatra, Índia, Ormuz e Constantinopla. Deixou uma descrição das cidades e reinos. Observou com mais interesse as ténicas de produção, as práticas de comércio e costumes ligados com casamento. Revela uma perspectiva muito católica. Não mostra simpatia pelos muçulmanos, mas manifesta maior tolerância para com os “idólatras” (Hindus e Budistas). As “Viagens” não foram escritas por Marco Pólo, mas por Rustichello, um romancista Pisano, que foi seu companheiro na prisão em Génova. O livro foi escrito para divertimento e não como história. Isso põe em questão a credibilidade de muito do que se encontra na narrativa, mas mesmo assim há muito que se confirma através das fontes persas e chinesas.

 

O Declínio da Rota

 

O império mongol não durou muito. Já em 1262 notavam-se os primeiros sinais de fragmentação dos diferentes khanatos. No oriente havia mais estabilidade, mas o nacionalismo chinês provou-se mais forte. Depois de muitas rebeliões, especialmente no sul da China, que se sentia discriminada pelos mongóis em favor do norte, os Ming tomaram o poder em 1368. O revivalismo islâmico e a política de isolamento adoptada pelos Ming barrou novamente a rota terrestre de contactos comerciais.

 

Mesmo durante o regime mongol, a importância da rota da seda não chegou ao nível do período Tang. Passada a resistência mongol, o Islão penetrou rapidamente na Ásia central, quase que substituindo o Budismo ao redor de Taklimakan. A nova presença afectou a arte pré-existente. O Islão não admitia a representação humana na arte, e adoptou a política de destruir a arte que o fazia. Vêem-se as marcas de destruição nas grutas de Bezeklik, perto de Turfan, onde as faces têm sido apagadas.

 

A utilização dos barcos tinha-se tornado mais conveniente e este facto foi também responsável pela reduzida utilização da rota terrestre. O aproveitamento excessivo pelos intermediários e os conflitos entre muitas tribos e povos no percurso da rota eram também outros factores de desencorajamento. A rota terrestre tinha os perigos de tempestades e piratas. Nos inícios do século XV o eunuco Zhang He comandou sete expedições marítimas cobrindo Sudeste Asiático, Índia, Arábia e a costa oriental de Africa. Mas foram os piratas e os problemas internos que levaram os Ming a abandonarem as aventuras no mar e a fecharem a China para o comércio marítimo pelos estrangeiros. A dinastria Qing manteve a mesma política, até que a expansão industrial europeia tornou necessário o uso de força naval para abrir os Portos chineses.

 

Influência Estrangeira

 

Os intelectuais e investigadores do Ocidente voltaram a interessar-se pela rota da seda nos finais do século XIX. Vários países europeus interessavam-se pela exploração das regiões que poderiam fornecer-lhes matérias primas para as suas indústrias e mercados para as suas manufacturas. Os ingleses queriam reforçar a sua presença na Índia controlando mais territórios no norte do subcontinente indiano. Survey of India organizou uma expedição para China em 1863 e confirmou-se a existência de várias cidades soterradas no deserto de Taklamakan. Enviaram uma delegação a Kashgar em 1890, e decidiram estabelecer um consulado em 1908. Agentes britânicos estabeleceram contactos frequentes para obterem mais informações que permitissem aos Britânicos controlar os interesses russos nessa região. Os russos tinham sido os primeiros a descobrir as cidades antigas de Turfan. Os aventureiros locais souberam também explorar o interesse dos estrangeiros e vendiam-lhes os achados. É como alguns objectos chegaram ao Ocidente. Os Orientalistas ficaram estupefactos com os conteúdos de alguns manuscritos que eles conseguiram decifrar. Isso gerou mais interesse e novas expedições.

 

O primeiro estudo sério da Rota foi feito após as expedições dirigidas pelo sueco Sven Hedin em 1895. Ele era um cartógrafo e linguista consumado. Ele atravessou Pamir e visitou Kashgar. Ele e mais dois conseguiram atravessar o centro do deserto Taklamakan. Os outros morreram de sede no deserto. A sua maior descoberta foi a cidade de Loulan, onde ele encontrou uma quantidade de manuscritos. Com ele começou uma corrida de arqueólogos. O inglês Sir Aurel Stein e o alemão Albert com Le Coq foram os grandes nomes, mas os russos, franceses e japoneses não ficaram para trás. Foi um frenesim de escavações em volta do deserto. Os métodos não estavam muito aperfeiçoados e cada grupo tentava levar para os museus dos seus países quanto mais pudesse acarretar. Os manuscritos eram mais procurados, mas desmancharam pinturas murais, e muitos preservaram-se bem apesar do tratamento pouco delicado. A melhor descoberta foi a biblioteca que encontraram nas grutas de Mogao em Dunhuang. Continha milhares de manuscritos budistas, quadros e bandeiras de seda. Os manuscritos estavam escritos em chinês, sânscrito, tibetano, Uygur e várias outras línguas desconhecidas. Entre os achados contava-se um livro impresso mais antigo do mundo. A bibloteca fora descoberta por uma monge Taoista no início do século XX, e ele tinha-se auto-nomeado seu protector. Os governantes chineses sabiam do assunto mas não tinham reconhecido a sua importância. Até que chegou Stein a querer saber o que isso era. Ele persuadiu o monge-protector a dar-lhe algumas peças mais preciosas em troco de apoios financeiros para manter a sua biblioteca. Nas visitas sucessivas Stein levantou mais peças. O arqueólogo francês Pelliot quando soube disso também conseguiu obter algumas peças. O americano Langdon Warner levou alguns das mais belas pinturas (frescos)  das grutas de Dunhuang.

 

Toda esse frenesim acabou quando os ingleses dominaram com força um protesto estudantil em Shanghai em 25 de Maio de 1925. Muitos estudantes morreram com ferimentos de balas inglesas. O incidente provocou mais agitações por toda a China. As autoridades chinesas puseram termo aos visitantes estrangeiros na região da rota e obrigaram a entrega de todos e quaisquer achados arqueológicos às autoridades tutelares chinesas. Foi o fim das explorações dos europeus que já conseguiram até então levar muito material para vários museus europeus. As colecções mais importantes encontram-se no Museu Britânico, em Delhi (Índia) e em Berlim. Muitos manuscritos estão guardados na British Library, e podem ser consultados pelos especialistas. Muitos tesouros do Museum de Berlin ficaram destruídos durante a Grande Guerra, e o bombardeamento pelos aliados destruiu 28 grandes quadros que estavam em exposição no Museu Etnológico de Berlim em 1943-45. Os Chineses estão muito magoados com o que eles consideram como roubo dos tesouros artísticos nacionais durante o período em que eles não tinham forças para resistir. Foi somente após o estabelecimento da República que os chineses assumiram responsabilidade pela conservação do património que estava a ser destruído pelo clima e por vários outros elementos humanos. A única consolação dos chineses é terem descoberto que um muçulmano de Khotan vendeu muitos manuscritos falsificados aos Orientalistas.

 

E hoje?

 

A rota da seda está a ser redescoberta. O deserto já não é a ameaça que era. Já há boas estradas e meios de transporte. A descoberta de petróleo na região trouxe novos recursos para o desenvolvimento. A província de Xinjiang e a sua capital Urumchi destacam-se hoje pelo seu  perfil industrial. Há novas relações comerciais entre a província e ex-União Soviética. As novas repúblicas da Ásia central tinham sido o esteio de produção industrial para Moscovo. As ligações entre Kazaquistão e Uzbequistão tem evoluído muito. A linha férrea entre Lanzhou e Urumchi foi estendida até a fronteira de Kazaquistão, integrando-a na rede férrea da ex-União Soviética. A linha Eurasian Continental Bridge liga Lian Yungang (em Jiangsu) a Roterdão. A linha atravessa Kazaquistão, Rússia, Belorússia e Polónia, antes de chegar a Alemanha e os Países Baixos.

 

Com a abertura de China para os turistas ocidentais nos anos 70, a rota da seda tem sido uma fonte de receita importante para a China. O interesse tem promovido restauração de muito património pertencente à antiga rota da seda. Para além das grutas e seus recheios artísticos, é interessante estudar as variedades de minorias étnicas que continuam a viver na região e ainda participam nas feiras tradicionais em que se trocam variados produtos, desde especiaria e lã, até gado e facas de prata.

 

Apesar da evolução económica, a região de Xinjiang não tem clima e geografia suaves. Existem também bases militares onde se testam mísseis e bombas nucleares. Isso torna muitos espaços inacessíveis aos estudiosos e turistas. Mas há potencial para a rota da seda voltar a ser reactivada e com participação internacional mais alargada do que ela atingiu qualquer vez no passado.

 

Bibliografia

 

Peter Hopkirk, Foreign Devils on the Silk Road, Oxford, U.P., 1980

Marco Polo, The Travels, Trad. de R. Latham, Penguin, 1958

Zhang Yehan (ed.), Si Lu You (Silk Road Tour), Xinjiang People’s Publishing House, Urumchi, Vol.1 (1988), Vol. 2 (1990)

Arthur Cotterell, China: Uma História Cultural, Lisboa, Gradiva, 1999

Atlas da História do Mundo, ed. Jeremy Black, Porto, Liv. Civilização, 2000.