Igreja Católica diz "não" à lei da liberdade religiosa

Para o representante dos bispos portugueses o projecto é uma disfarçada revisão da Concordata

Licínio Lima


DN-Eduardo Tomé
CLAREZA. D. Tomás Silva Nunes, sem ambiguidades, deixou alguns dos deputados à beira de um ataque de nervos

[Reportagem do DN, Lisboa, 11 de Abril 2001]


Os deputados ouviram da Igreja Católica um rotundo "não" à última versão do projecto de lei da liberdade religiosa apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Em reunião realizada ontem na Assembleia da República, à porta fechada, D. Tomás Silva Nunes disse aos parlamentares que o artigo 58 º, da autoria de Jorge Lacão e de António Reis, que previa a aplicação de algumas disposições da lei à Igreja Católica, "interfere com a Concordata e entra em contradição com o que deve ser o tratamento dessa matéria", e neste sentido, rejeitou-o.

Clareza de exposição não faltou ao bispo, que, aliás, até foi elogiado pelo deputado António Reis: ou o artigo 58.º volta à versão original, tal como foi aprovado na generalidade, no Parlamento, a 6 de Abril - que excluía a Igreja da lei até à revisão da Concordata, mantendo-se esta a regulamentar as suas relações com o Estado; ou, então, define-se quais as disposições que podem ser desde já aplicadas. Segundo D. Tomás, a Igreja aceita os artigos 1º a 12º, por derivarem directamente da Constituição da República. O restante articulado, caso fosse aplicado à Igreja, significaria torná-la objecto de uma lei que "antecipa a revisão da Concordata", afirmou.

Relativamente à questão das capelanias, actualmente muito em debate na opinião pública, o bispo admitiu ser um assunto que a Igreja não se importa de negociar, desde que "em contexto concordatário".

Estas foram as posições de princípio assumidas, que logo à partida destruiram a pretensão de os deputados colocarem um ponto final na discussão do projecto de lei da liberdade religiosa.

Mas outros pontos mereceram reparos. É o caso do artigo 19º, segundo o qual todos os certificados de casamento realizados nas comunidades religiosas devem ser acompanhados por uma credencial do ministro de culto que ateste a sua autoridade. Para o prelado, este princípio fere a Concordata, considerando também que o projecto não clarifica devidamente o que são actividades com fins não religiosos, aos quais se pode aplicar um regime fiscal. Objecto de crítica foi ainda a proibição de um professor leccionar outras áreas disciplinares aos mesmos alunos em acumulação com o ensino religioso, e que este fique reduzido a uma disciplina opcional. Estes pormenores, em seu entender, devem ser regulamentados por diplomas próprios, e não por lei geral.

Os deputados ouviram e anotaram. António Reis, do PS, sublinhando a soberania da Assembleia da República, explicou que as teses da Igreja vão agora ser analisadas pelo seu grupo parlamentar, elogiando o bispo pela clareza das suas posições. Pedro Roseta, do PSD, manifestou total apoio à Igreja Católica, defendendo que não se deveria ter mexido na primeira versão do artigo 58º. Opinião semelhante teve Telmo Correia, do PP.

Fernando Rosas, do BE, era o deputado mais inconformado. Disse aos jornalistas que o PS vai capitular perante as pressões da Igreja e, no final, surgirão dois diplomas: um para os católicos e, outro, para as confissões minoritárias. Segundo as suas palavras, o bispo ameaçou os deputados de a Igreja dificultar a revisão da Concordata caso não fossem ouvidas as suas pretensões relativamente ao projecto de lei.