Pedido de desculpa divide UE
Portugal, Espanha, Grã-Bretanha e Holanda recusam
desculpar-se pelo tráfico de escravos, preferindo antes "lamentar"
Lisboa, Diário de Notícias
5 de Setembro de 2001
Ana Glória Lucas
Os
países da União Europeia continuavam ontem divididos em torno do pedido de
desculpas pelo tráfico de escravos de séculos anteriores. Mas eram estes mesmos
países que estavam a tentar salvar a Conferência contra o Racismo, em Durban, através da "redacção de um texto inteiramente
novo, susceptível de reunir um consenso".
Portugal, Espanha,
Grã-Bretanha e Holanda são os países que se opõem a um pedido formal de
desculpas pela escravatura de séculos passados - preferindo em vez disso
"lamentar" o tráfico de escravos - , enquanto os restantes 11 membros
da União Europeia seriam a favor de um pedido de desculpas sem reservas, de
acordo com o jornal sul-africano Business Day.
Aparentemente,
aqueles quatro primeiros países receiam que um pedido de desculpas os torne
mais vulneráveis a litígios judiciais generalizados. Mas, à porta fechada, e
ainda de acordo com o mesmo jornal, viram-se alvo das críticas dos restantes
países da União Europeia, que acreditam que aquela recusa pode provocar o
fracasso da conferência e deixar a UE numa posição embaraçosa.
Fontes próximas da
conferência acreditavam que as hipóteses de os 15 países da UE chegarem a
compromisso sobre um pedido de desculpas "diminuíam de dia para dia".
"É muito
fácil os Estados que não têm uma história de escravatura assumirem uma posição
de supremacia moral", comentou ontem uma fonte próxima da delegação
holandesa, citada pelo Business Day. "Mas, para países como a Holanda, um pedido
de desculpa abre o caminho a intermináveis litígios civis, especialmente numa
altura em que os responsáveis dos modernos genocídios estão a responder perante
tribunais internacionais".
Entretanto, os
países da UE decidiram continuar na Conferência de Durban,
"unida tanto no fundo como na forma", nas palavras do ministro dos
Negócios Estrangeiros belga, Louis Michel. "Os Quinze mandataram-me para aceitar a
proposta que me fez a minha homóloga sul-africana Nkosazana
Zuma e que consiste em redigir um texto inteiramente
novo, susceptível de reunir um consenso."
"Queremos dar
uma hipótese a esta conferência. Se os europeus se retirarem, partiremos todos
juntos", precisou o porta-voz do ministério de Louis
Michel, Olivier Alsteens.
A França insistiu
ontem que a conferência de Durban deve
"reorientar os seus debates e centrar-se no seu verdadeiro objecto: a luta
contra o racismo", sob pena de fracassar completamente. "Isto implica
o abandono de propostas inaceitáveis incidindo em primeiro lugar sobre a
situação no Médio Oriente e também sobre a maneira de abordar a questão dita do
passado", afirmou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, François Rivasseau.
A questão do Médio
Oriente provocou o abandono da conferência pelos Estados Unidos e por Israel,
na segunda-feira. "A ausência dos Estados Unidos retira muito interesse à
conferência. A ausência da Europa retirar-lhe-ia ainda mais", acrescentou Rivasseau.