Construções pré-históricas na Europa
Os Primeiros Monumentos na Paisagem
Por JOANA GORJÃO HENRIQUES
PÙBLICO, Lisboa, Sábado, 16 de Setembro de 2000
No alto do Vale do Côa, há mais de 4000 anos, qualquer forasteiro que
olhasse ao longe para Castanheiro do Vento poderia distinguir na paisagem a
arquitectura de um povoado com as suas mais de cinco entradas e as suas
linhas rectas a terminar em formas arredondadas. Aparentemente tratava-se
de uma espécie de fortaleza construída por povos que terão viajado do
Mediterrâneo Oriental à procura de cobre e ali se instalaram para defender
os seus pertences. Mas a principal funcionalidade do local não era a defesa,
como explicou ao PÚBLICO Vitor Oliveira Jorge, arqueólogo e professor na
Universidade do Porto e coordenador do grupo de investigação das
escavações em Castanheiro do Vento, onde foram encontrados vestígios de
um povoado que data da segunda metade de III a.C. e primeira metade do II
a.C - e um dos intervenientes da sessão do 6º Congresso da Associação
Europeia de Arqueólogos sob o título "A monumentalidade e a paisagem na
Europa Atlântica", a decorrer no Centro Cultural de Belém (CCB).
A razão pela qual Oliveira Jorge defende a ideia de que este dispositivo "não
implicava um estado de guerra endémico" deve-se ao facto de ali terem sido
encontrados objectos ligados a actividades de transformação do natural para
o cultural, "mais ligadas ao ritual do que ao doméstico", mas é sobretudo
devido à arquitectura do lugar: "O recinto, com uns 30 metros de diâmetro,
tem pelo menos cinco entradas, o que prova que a funcionalidade principal
não era a defensiva." E acrescenta: "Estes lugares monumentais são
dispositivos cénicos para simbolizar uma população e foram construídos para
serem vistos de longe. São uma forma de organizar a identidade territorial.
Tradicionalmente eram considerados sítios defensivos mas no nosso entender
este é multifuncional", argumenta o coordenador da equipa, da qual fazem
parte João Muralha Cardoso e António Sá Coixão.
Iniciadas em 1998, em sequência de um trabalho começado 11 anos antes
pela mulher do arqueólogo, Susana Oliveira Jorge, em Castelo Velho (Freixo
de Numão), as escavações ficaram concluídas em Julho deste ano "mas vão
continuar". Freixo de Numão vai aliás ser uma parte do percurso do Parque
Arqueológico do Vale do Côa.
Os diversos intervenientes na sessão do CCB, oriundos de vários países da
Europa, abordaram a relação das construções pré-históricas com a natureza
e os diversos significados que foram sendo atribuídos aos monumentos de
diversos tipos - círculos de pedra, trabalhos de terra de diversos tipos,
monumentos funerários, etc..
"A monumentalidade aparece com o megalitismo na segunda metade do séc.
V a.C. e na primeira do IV a.C.. Começa por ser restrita a uma elite e estar
ligada à ideia de morte e no III a.C. alarga-se à simbologia da vida
quotidiana. Pouco a pouco vai havendo uma ocupação ritual e simbólica da
terra que não se restringe só ao mundo dos mortos mas também ao mundo
dos vivos", explicou ao PÚBLICO Vítor Oliveira Jorge.
Do Alentejo para a Bretanha
Já no topo do Monte do Tojal, em Montemor-o-Novo, desenha-se um
cromeleque, datado de há 7000 anos, com características bem diferentes do
Castanheiro do Vento. Os extremos da linha de pedras em forma de
ferradura estão direccionados para o nascer do Sol. A interrupção da linha
contradiz a lineriedade conhecida na paisagem megalítica do Alentejo Central,
onde os cromeleques se arquitectavam em círculos fechados.
Há pelo menos três recintos deste género na região e esta terceira
identificação, feita em Fevereiro pelo arqueólogo Manuel Calado, outro dos
oradores da sessão, leva-o a concluir que a abertura não é fruto do acaso ou
de escavações desenvolvidas em condições precárias mas que constitui uma
característica própria deste tipo de cromeleques, também existente na
Bretanha francesa. Um reforço da identidade do Alentejo Central com a
Bretanha é uma das conclusões que Manuel Calado retira do estudo. As duas
têm uma forte presença de menires megalíticos, dos mais antigos que se
conhecem no mundo, e as suas semelhanças são evidentes. As gravuras de
cajados imprimidos nas pedras - que "será uma espécie de assinatura dos
pastores, um emblema de um grupo que abandonou a caça e passou a
dedicar-se à agricultura", diz ao PÚBLICO o arqueólogo - foi outra das
características megalíticas bretanhenses, agora visíveis. Manuel Calado
avança uma possível explicação: "Deviam existir contactos entre os povos das
duas regiões, canais de comunicação, trocas."
A existência de uma relação mimética forte entre elementos da natureza e os
monumentos aliada a uma valorização da paisagem são características das
construções megalíticas que Calado salienta. O arqueólogo defende ainda
que os menires alentejanos foram construídos por homens cujos
antepassados não viviam na região. Homens que tinham uma grande atracção
por rochedos e os tentam recriar.
Um efeito estético impressionante
Também numa relação intensa com a paisagem, homens da pré-história na
Escócia, ergueram, há mais de 4000 anos, monumentos em função dos
movimentos cíclicos do Sol e da Lua para coroar os corpos dos mortos. A
luz que incide na arquitectura em determinados momentos cria um efeito
estético impressionante: terra, céu e monumentos ficam em perfeita
integração. A descrição foi apresentada pelo arqueólogo Richard Bradley -
autor de livros como
"Altering the Earth", "Roch Art and the pre-History of
Atlantic Europe" ou "The Significance of Monuments", entre outros - que
defende que o círculo de pedras de Tomnaverie, em Aberdeenshire
(Escócia), um monumento muito comum naquele país, foi construído através
de um projecto, a longo prazo, que começou no túmulo central do círculo,
terminando nas pedras erguidas. Se a análise a mais dois monumentos iguais
der os mesmos resultados, então "o argumento é válido", frisou ao
PÚBLICO.
Estes lugares incluem um anel de pedras erguidas, que podem inclinar-se para
sudoeste, onde um bloco horizontal é rodeado pelos monolitos mais altos. Tal
como os outros, Tomnaverie contém uma anta.
"Quando as pessoas começaram a construí-los sabiam que ele iria ser
transformado ao longo do tempo e como iria ser feito. Eu defendo que levou
uma geração - cerca de 20 anos - a construir", acrescentou.